A Revolução Federalista ocorreu
no sul do Brasil logo
após a Proclamação da República,
e teve como causa a instabilidade política gerada pelos federalistas,
que pretendiam "libertar o Rio Grande do
Sul da tirania de Júlio de Castilhos", então presidente
do Estado, e também conquistar uma maior autonomia do estado do Rio Grande do
Sul, descentralizando o poder da então recém proclamada República.1
Empenharam-se em disputas
sangrentas que acabaram por desencadear uma guerra civil,
que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, e que foi vencida
pelos pica-paus, seguidores de Júlio de Castilhos.2
A divergência teve início com
atritos ocorridos entre aqueles que procuravam a autonomia estadual,
frente ao poder federal e seus opositores. A luta armada atingiu as regiões
compreendidas entre o Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná.
Durante o século XIX, o estado do
Rio Grande do Sul esteve em permanente estado de guerra. Na Revolução Farroupilha (1835-1845) e
na Guerra do Paraguai (1864-1870), a
população gaúcha foi devastada. Nos últimos anos do Império, surgiram na região
três lideranças políticas antagônicas: o liberal Assis Brasil,
o conservador Pinheiro Machado e o positivista Júlio Prates de Castilho. Os três se
reuniram para fundar o Partido Republicano Rio-grandense,
que fazia oposição ao Partido Federalista do Rio Grande do
Sul, fundado e liderado pelo liberal monarquista Gaspar Silveira Martins. Em 1889, com a Proclamação da República, essas correntes
entraram em conflito, de forma que em apenas dois anos, o estado teria dezoito
governadores.3
A Constituição Estadual de 1891 e um panorama de Júlio Prates de
Castilhos
Júlio Prates de Castilhos nasceu e cresceu
em uma estância gaúcha e estudou Direito em São Paulo, onde teve contato com as
ideias positivistas de Auguste Comte.
Depois de formado, retornou à sua terra e passou a escrever no jornal A Federação,
atacando o Império, a escravidão e seu adversário político Gaspar Silveira
Martins. Foi deputado constituinte em 1890-1891, e acreditava em uma fase
ditatorial para consolidar a República e defendeu uma forte centralização do
poder no ditador republicado. Derrotado na constituinte nacional, implantou
essa ideia na constituição estadual, meses mais tarde, em um texto que redigiu
praticamente sozinho, ignorando sugestões da comissão de juristas destacada
para a tarefa, e aprovou-o, em julho de 1891, em uma assembleia estadual
controlada pelo Partido Republicano Rio-grandense,
liderado por ele e de orientação positivista.2 A
constituição estadual previa que as leis não seriam elaboradas pelo Parlamento,
mas pelo chefe do Executivo, que poderia ser reeleito para novos mandatos. Como
o voto não era secreto, as eleições seriam facilmente manipuladas pelos adeptos
de Castilhos, o que lhe garantiria permanecer no poder indefinidamente.
No mesmo mês em que aprovou sua
constituição, foi eleito governador. Em novembro, por ter apoiado o golpe de
Deodoro e o fechamento do Congresso, foi deposto e substituído por uma junta de
governo, que durou pouco e logo passou o governo ao general Barreto Leite. Castilhos
retomou um governo paralelo e foi reeleito em uma eleição sem concorrentes,
tomando posse em janeiro de 1893. Nesse momento, o estado era o "ponto
nevrálgico da República" e a resposta dos adversários era iminente.3
Um panorama de Gaspar da Silveira Martins
Gaspar da Silveira Martins, intelectual e
bom orador, havia sido nomeado ministro por Dom Pedro II em um de seus últimos
atos, em uma tentativa de salvar a monarquia. Preso e exilado na Europa,
retornou em 1892, com o estado já sob o governo de Júlio de Castilhos e fundou
o Partido Federalista do Rio Grande do
Sul, que defendia o sistema parlamentar de
governo e a revisão da constituição estadual. Com a posse de Castilhos, o
caudilho Gumercindo Saraiva também retornaria ao estado, vindo de seu refúgio
no Uruguai e liderando uma tropa de quinhentos homens. Um segundo grupo,
comandado pelo general Joca Tavares, ocupou outra região do estado com
uma tropa de três mil homens. Ameaçado, o governador convenceu o presidente Floriano
Peixoto de que o levante era uma tentativa de Silveira
Martins de restaurar a monarquia.
Pica-paus e Maragatos
Os seguidores de Gaspar da
Silveira Martins, gasparistas ou maragatos,
eram frontalmente opostos aos seguidores de Júlio de Castilhos,castilhistas, pica-paus ou ximangos.
Os defensores de Júlio de
Castilhos receberam a alcunha de pica-paus ou ximangos,
em razão da cor do uniforme usado pelos soldados que defenderam essa facção,
que se assemelhavam às dos pássaros da região. Esta denominação se estendeu a
todos os castilhistas, inclusive civis.
Já o termo maragato,
que foi usado para se referir à corrente política que defendia Gaspar da Silveira Martins, tem uma
explicação mais complexa:
"Na província de León, Espanha,
existe uma comarca denominada Maragateria,
cujos habitantes têm o nome de maragatos, e que, segundo alguns, é um povo de
costumes condenáveis;1 pois,
vivendo a vagabundear de um ponto a outro, com cargueiros, vendendo e comprando
roubos e por sua vez roubando principalmente animais; são uma espécie de ciganos. "
(Romaguera).
Os maragatos espanhóis eram
eminentemente nômades, e adotavam profissões que lhes permitissem estar em
constante deslocamento.2
No Uruguai eram chamados de
maragatos os habitantes da cidade de San José de Mayo, Departamento de San José,
talvez porque os seus primeiros habitantes fossem descendentes dos maragatos
espanhóis, que foram responsáveis por trazer para a região do rio da Prata o
costume da bombacha.4
Na época da revolução, os
republicanos legalistas usavam esta apelação como pejorativa, com o sentido de
"mercenários".
A realidade oferecia alguma base para essa assertiva — o caudilho Gumercindo
Saraiva, um dos líderes da revolução, havia entrado no Rio Grande do
Sul vindo do Uruguai pela fronteira de Aceguá (Uruguai), noDepartamento de Cerro Largo, comandando
uma tropa que incluía uruguaios. A família de Gumercindo, embora de origem portuguesa, possuía campos em Cerro Largo. No
entanto, dar esse apelido aos revolucionários foi um tiro que saiu pela
culatra. A denominação granjeou simpatia, e os próprios rebeldes passaram a se
denominar "maragatos". Em 1896, chegaram a criar um jornal que levava
esse nome.
O conflito
As desavenças iniciaram-se com a
concentração de tropas sob o comando do maragato João Nunes da Silva Tavares, o Joca
Tavares, barão de Itaqui em campos da Carpintaria,
no Uruguai,
localidade próxima a Bagé.5
Logo após o potreiro de Ana
Correia, vindo do Uruguai em direção ao Rio Grande do Sul, encontrava-se o
coronel caudilho federalista Gumercindo Saraiva.
Eficientemente, os maragatos
dominaram a fronteira, exigindo a deposição de Júlio de Castilhos, que havia
sido eleito presidente do estado pelo voto direto. Havia também o desejo de um
plebiscito onde o povo deveria escolher o sistema de governo.
Devido à gravidade do movimento,
a rebelião adquiriu âmbito nacional rapidamente, ameaçando a estabilidade do
governo rio-grandense e o regime republicano em
todo o país.5 Floriano Peixoto, então na presidência da
República, enviou tropas federais sob o comando do general Hipólito Ribeiro para socorrer Júlio de Castilhos.
Foram estrategicamente
organizadas três divisões, chamadas de legalistas: a do norte, a da
capital e a do centro. Além destas, foi convocada a polícia estadual e todo o
seu contingente para enfrentar o inimigo.
A primeira vitória dos maragatos
foi em maio de 1893, junto ao arroio Inhanduí, em Alegrete, município sul-rio-grandense.
Neste combate ao lado dos Pica-paus legalistas participou o senador Pinheiro Machado,2 que
tinha deixado a sua cadeira no Senado
Federal para organizar a Divisão do Norte, a qual liderou
durante todo o conflito.6
Principais combates
Os Maragatos vão ao Norte
Gumercindo Saraiva e sua tropa
dirigiram-se para Dom Pedrito. De lá iniciaram uma série de
ataques relâmpagos contra vários pontos do estado, desestabilizando as posições
conquistadas pelos Republicanos.
Em seguida rumaram ao norte,
avançando em novembro sobre Santa
Catarina e chegando ao Paraná,
sendo detidos na cidade daLapa,
a sessenta quilômetros a sudoeste de Curitiba.
Nesta ocasião, o Coronel Carneiro morreu
em fevereiro de 1894 sem
entregar suas posições ao inimigo, no episódio que ficou conhecido
como o Cerco da Lapa.1 A
obstinada resistência oposta às tropas federalistas na cidade de Lapa (Paraná),
pelo Coronel Carneiro, frustrou
as pretensões rebeldes de chegarem à capital da
República.5
O almirante Custódio de Melo, que chefiara a revolta da
Armada contra Floriano Peixoto, uniu-se aos federalistas
e ocupou Desterro,
atual Florianópolis. De lá chegou a Curitiba,
ao encontro do caudilho-maragato Gumercindo Saraiva.
A resistência da Lapa impediu o
avanço da revolução. Gumercindo, então impedido de avançar, bateu em retirada
para o Rio Grande do Sul. Morreu em 10 de agosto de 1894, após ser atingido por
um tiro desferido a traição enquanto reconhecia o terreno na véspera da Batalha do
Carovi.
Argentina e Uruguai
Ao longo da Revolução, os
maragatos tiveram apoio constante da província de Corrientes, na Argentina e também no
Uruguai. O que lhes permtiu contrabandear armamento através da fronteira,
praticar incursões táticas em território estrangeiro afim de fugir de
perseguições, bem como, refugiar-se nos países vizinhos em momentos de
desvantagens frente ao inimigo.
A paz
A revolução federalista foi
derrotada em 24 de junho de 1895 no combate de
Campo Osório, quando o almirante Saldanha da Gama,
possuidor de um contingente de 400 homens, 100 deles marinheiros, lutou até a
morte contra os Pica-paus comandados pelo general Hipólito Ribeiro. A derrota
causou grande comoção no lado Federalista e acelerou o processo de paz.7
A paz finalmente foi assinada em Pelotas no
dia 23 de agosto de 1895.1
O presidente da República era
então Prudente de Morais, e o emissário do governo
federal era o general Galvão de Queirós.
Balanço: A revolução das degolas
Este conflito propiciou pelo
menos 10.000 mortos e incontáveis feridos.
A prática da degola dos
prisioneiros não foi rara em ambos os lados contendores, adquirindo o caráter
revanchista. Por muito tempo foi atribuído ao Coronel maragato Adão Latorre a
degola de 300 Pica-pausprisioneiros, às margens do Rio Negro, contidos em um cercado (mangueira de
pedra) para gado, que ficou conhecido como Potreiro das Almasnas
cercanias de Bagé, hoje em território do município de Hulha Negra,
em 23 de Novembro de 1893, após a Batalha do Rio Negro.1 O
fato, porém, é desmentido por vários documentos históricos, como o Diário do
General Maragato João Nunes da Silva Tavares, que refere o número de 300 como
sendo as baixas totais do inimigo, entre mortos em combate e feridos.2 O
General afirma que o número de degolados foi de 23 "patriotas",
membros das forças provisórias castilhistas, todos assassinos conhecidos em
todo o Estado, pelas tropelias cometidos contra os Federalistas,
particularmente no saque a Bagé no final de 1892 pelas forças dos Coronéis
castilhistas Pedroso e Motta. Em 5 de Abril no Combate do Boi Pretohá
a degola de 250 maragatos em represália à degola do Rio Negro. O pica-pau Cherengue ou
Xerengue rivalizava com Latorre em número de degolas praticadas.5
Muitas vezes a degola era
praticada em meio a zombarias e humilhações. Embora não com frequência, poderia
ser antecedida por castração.
Conta-se, por exemplo, que apostas eram feitas em corrida de degolados.
Na degola convencional a vítima, ajoelhada, tinha as pernas e
mãos amarradas, a cabeça estendida para trás e a faca era passada de
orelha a orelha. Como se degolasse uma ovelha, rotina nas lides do campo.
Os ressentimentos acumulados, as desavenças pessoais, somados ao caráter rude
do homem da campanha acostumado a sacrificar o gado, tentam explicar estes atos
de selvageria.
Do ponto de vista militar e
logístico a degola decorria da incapacidade das forças em combate de fazer
prisioneiros, mantê-los encarcerados e alimentá-los, pois, ambas lutavam em
situação de grande penúria.5 Procurava-se,
pelo mesmo motivo, poupar munição empregando um meio rápido de execução.
Uma outra visão da Revolução
Federalista
De 1893 a 1895, as terras do sul
serviram de cenário aos violentos combates da Revolução Federalista, travados
entre os partidários de dois oligarcas gaúchos: de um lado, os federalistas
(maragatos), liderados por Gaspar Silveira Martins; de outro, os republicanos
(chimangos ou pica-paus), seguidores do positivista Júlio de Castilhos. Os
federalistas defendiam a instalação de um regime parlamentarista nos moldes do
que existiu no Segundo Reinado. Já os republicanos defendiam
umpresidencialismo forte, centralizador, no
estilo do governo de Floriano
Peixoto.2
O confronto ultrapassou as
fronteiras gaúchas, estendendo-se a Santa
Catarina, ao Paraná e até ao Uruguai.
Embora Floriano tivesse tropas federais nos estados sulistas, somente em 1895, no governo de Prudente de Morais é que seria assinado um
acordo de paz na região.2
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